Muitas vezes quando o estado emocional do nosso filho não está no registo positivo começamos a culpar alguém. Muita gente culpa os filhos, e alguns pais culpam se a si próprios. E o que acontece, num caso e no outro, é que quase à força, tentamos (e obrigamos) a criança a sair do seu estado negativo. E muitas vezes a razão (que é difícil admitir) é para nós nos sentirmos como bons pais. Que estamos a fazer um bom trabalho como pais.
Um dos momentos mais desafiantes que temos como pais e lidarmos com as “birras” dos nossos filhos. Acredito que a grande maioria dos pais nem se importavam de nunca ter que lidar com uma birra. Verdade? As birras fazem-nos sentir frustrados, irritados, desamparados, tristes, zangados…. E se não conseguirmos resolver a birra, sentimo-nos maus pais….
Mas sabem o que eu digo. Viva as birras! Ajudam-me aprender mais sobre os meus filhos, fico a perceber que algo na nossa relação não está bem, ponho a minha congruência a prova e temos, eu e a criança, uma oportunidade para melhorarmos a nossa relação e crescer!
Essa vontade de sermos pais bem-sucedidos, leva nós a aplicar estratégias e até fazer cursos, com a seguinte mensagem:
“As birras podem ser destrutivas de todo um bem-estar familiar. Simples chamadas de atenção, desafios à autoridade parental ou reflexos de inconsistência na aplicação de regras e limites por parte dos cuidadores, o facto é que não sendo geridas correctamente vão determinar um crescimento com dificuldades progressivas na adaptação aos modelos sociais que irão acolher os seus filhos pela vida fora. Neste pequeno seminário poderá aprender estratégias eficazes para sociabilizar os seus filhos tranquilamente, garantindo-lhe um futuro em que as relações interpessoais lhe possam ser favoráveis.” (retirado dum site de um grande Gabinete de Psicologia que oferece cursos à pais)
Assim a primeira vista, para alguns muito provavelmente pode fazer muito sentido. Mas pergunto-me, se nos limitarmos a ver as birras desta forma, que tipo de adultos vamos ter no futuro? Vamos realmente ter pessoas com “relacionamentos interpessoais favoráveis”, ou vamos ter pessoas emocionalmente reprimidas (com todas as suas consequências)? Vamos ter pessoas aptas para lidarem se a si próprias e ao nosso mundo, ou pessoas criadas para o industrialismo (uma era que já passou)? Vamos ter pessoas que sabem falar do que sentem no coração com facilidade, ou pessoas que desenvolvem patologias psicológicas?…
E agora dizes tu, pronto, isto é tudo muito bonito, mas como lido então com uma birra!? Aha, boa pergunta… e a resposta é…. Depende!
Em primeiro lugar costumo recomendar fazer um “troubleshooting” (aquele tipo de pesquisa que os informáticos fazem quando procuram qual o erro no pc… ;o)), começando pelas seguintes perguntas:
A criança tem sono?
A criança tem fome?
As respostas a essas duas perguntas já te dão automaticamente a estratégia a seguir…
Depois, pensa bem nas birras que o teu filho faz. São recorrentes? Quando acontecem? Sempre a mesma hora? Na mesma situação?
No meu caso por exemplo, quando vou buscar o meu filho de 4 anos à escolinha, sei que a probabilidade de vivermos uma birra no carro é… no mínimo grande. Ele normalmente está a beira da exaustão quando entra no carro, e cansaço é mesmo o “trigger” dele para birras. Depois, qualquer coisa pode-se tornar um “problema”, falta de agua, muito sol, calor, frio… seja lá o que for. Para minimizar a probabilidade de uma birra sei que posso fazer certas coisas. Ter água no carro, uma protecção para o sol, por exemplo. E se me tiver esquecido de água, posso explicar isso antes de entrar no carro e assegurar que ele beba água na escola antes de sair. Ou seja, procuro ser pro-activa porque conheço bem o padrão do meu filho.
E quando acontecer uma birra, o mais importante é eu manter a minha calma. Sem dizer muito, ouço o que ele tem a dizer. Não vale a pena estar com muitas explicações, no meio da birra o cérebro dele não liga nada a isso. Procuro dizer coisas como “Ouço/vejo que estás muito chateado. Daqui há 5 minutos já posso parar e vamos resolver isso…”. Procuro me manter o mais presente possível (e as vezes acaba por adormecer).
Numa situação em que estamos em casa mantenho-me por perto e demonstro empatia. As vezes pode ser preciso ajudar a criança a fazer uma escolha, por exemplo… Se a tua filha escolheu um vestido para a escola, mas quando a queres ajudar a vestir, já não quer aquele vestido. Quer outro. Deixas escolher outro. Se não parar aí, é muito provável que a criança tenha frustração por libertar. Nessa situação, não ajuda continuar a procurar vestidos, procura dar a criança a escolher entre os dois primeiros vestidos. “Gostava que escolhesses um de estes dois vestidos”…
E em lugares públicos, faço tudo igual, procurando primeiro encontrar um cantinho mas privado (o que em situações extremas pode querer dizer que tenho que pegar na criança aos berros, desagradável, mas no meu ver compensa ;)).
Mas se eu aceitar estas birras, que mensagem estou a passar? Aceitando este tipo de comportamento a criança vai achar que é aceitável? Não é melhor por a criança de castigo ou arranjar uma consequência dura para ela aprender?
Quando a criança está no meio de uma birra o cérebro está em “modo birra” quer dizer que a criança não tem acesso nenhum a “razão”, não sente empatia… e falando com ela, procurando chama-la a razão, criticando o comportamento, dizendo qual o comportamento aceitável, falando em consequências e castigos, não estamos a ajudar a criança a ter acesso às partes do cérebro que a vão ajudar a acalmar. É normal uma birra demorar 5-15 min. Cientistas descobriram que as birra até têm um ciclo previsível, e sabias que parece que quanto mais nos esforçamos para parar a birra, mais a prolongamos? Se pensares no teu próprio filho imagino que consigas ver um padrão. Podes ver um exemplo aqui.
(não sou a maior fã deste vídeo, mas fica-se com uma ideia)
Não há provas absolutamente nenhumas, que castigos e consequências sejam boas ao médio e longo prazo. A curto prazo, sim, há muitas provas. Mas que mensagem estou a passar, o que é que o meu filho aprende, seu eu utilizar este tipo de estratégias para uma birra?
Entre outras coisas, estou a passar a mensagem que está algo de errado com o meu filho. Como a criança não consegue separar a pessoa do comportamento ela leva tudo ao peito, o que torna-se devastador para a auto-estima. Também passo a mensagem que eu como mãe/pai, não me preocupo com o que ele sente. Passo a mensagem, que não vale a pena exprimir os meus sentimentos e as minhas emoções (porque o meu pai/a minha mãe não só não se interessa, como não gosta de mim quando o faço). Ainda pior para a auto-estima. Como pai/mãe perco uma grande oportunidade de dar uma lição de empatia (e se a criança não sentir a empatia dos outros em situações para ela emocionalmente importantes, vai ter dificuldade em sentir empatia no futuro). E além dessas coisas não estou a ajudar o meu filho a lidar com as emoções fortes e a encontrar estratégias alternativas.
A frustração tem de sair, e com o tempo e a tua ajuda a criança vai encontrar outras formas de aliviar a tensão. A partir dos 3-4 anos podemos conversar com as crianças sobre as suas grandes birras, num momento completamente desligado da birra. Pede para ela contar o que aconteceu, ajuda se achares necessário. Faz perguntas, procurando dar palavras às emoções que a criança demonstrou, faz ligações entre os acontecimentos. É extremamente importante não fazer qualquer juízo de valor… só vale feedback meramente descritivo!
“Eu não te deixei comer mais chocolate e tu ficaste muito zangado comigo, foi?”
E dependendo da criança também podemos perguntar:
“E o que achas que poderias ter feito em vez de X?”
E agora o próximo passo, algumas vezes, a birra provavelmente nada tem a ver com aquele chocolate, não é?… Se quisermos expandir o “troubleshooting” e dar mais um passo no caminho de sermos pais cada vez mais conscientes e atentos, a fase seguinte é refletirmos num outro nível sobre as birras…
Que necessidade (não preenchida) estará por trás da birra que o meu filho está a fazer? Por exemplo, os meus filhos estão num estado emocional mais fragilizado quando o pai está muitas vezes fora de casa, ou quando eu não lhes estou a ver bem.
Mas isso, fica para outro post.
(Ahhh, mas eu já pus o meu filho de castigo quando ele faz birras, já gritei com ele, já disse que ele se estava a portar muito mal e…… e agora? Calma! Felizmente nunca é tarde para mudarmos as nossas estratégias! O nosso cérebro, tem algo chamado plasticidade, novas ligações neuronais são criadas a toda a hora, e se tu mudares as tuas estratégias e passares a utilizar estratégias mais empáticas, são essas que terão a maior influência no teu filho. E quanto mais cedo, melhor!)
Boas birras!
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Se quiseres saber mais sobre o funcionamento do cérebro da criança durante por exemplo uma birra (um conhecimento muito muito útil!), aconselho a leitura do “The Whole Brain Child” de Daniel Siegel e Tina Payne Bryson.
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